Saulo, Saulo, por que me persegues?

“Saulo, Saulo, por que me persegues?” A vida inteira me perguntaram isso, embora nunca tenha perseguido alguém, não no sentido religioso. Era só dizer meu nome para um evangélico, que logo escutava esta citação de Saulo de Tarso. Deus sabe a culpa que carrego desde a infância por ter matado Jesus Cristo, e não há prédio que tenha adentrado sem subir com tamanha carga bíblica. Não há porteiro que tenha se esquecido de me perguntar: - Saulo, Saulo, por que me persegues? Saulo de Tarso era um soldado romano que oprimia os discípulos de Jesus, e numa empreitada se deparou com a luz luminosa que o cegou permanentemente, acompanhada da voz de Jesus Cristo: “- Saulo, Saulo, por que me persegues?” Isso fez com que o inválido soldado virasse a casaca para defender os que se tornariam os futuros cristãos. Só sei que ganhei este nome devido à exigência do espírito de meu avô, que em sonho apareceu para minha mãe. Mas se você já está enjoado de ler tantas vezes: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” - Imagine eu? E quantas vezes mais hei de escutar? Se nada posso fazer pra disto me livrar, senão me desculpar com Cristo e torcer para ser atendido por porteiros umbandistas.

Uma vez criei certa inimizade com um funcionário da secretaria da faculdade, por motivo que não vem ao caso. (Ele tinha síndrome dos pequenos poderes). Um dia tive de ligar pro ramal dele, pois precisava de uma informação e não queria me identificar. Pensei em dar um nome falso, mas parecido com o meu próprio nome, como Paulo, por exemplo. Devia existir centenas de Paulos na PUC, e se alguém fosse conferir, é porque entendeu meu nome errado, confundindo Saulo com Paulo. Então tomei coragem e liguei. O coração batendo forte para contar uma mentirinha, um mísero pecadilho, trocar um "S" por um "P", ainda que no ato da fala. -Quem está falando? Me perguntou o funcionário. -É o "Paulo". Me identifiquei. -Que Paulo? Não seria o Saulo? Indagou. -Sim. Respondi. -Então, por que "Paulo"?!... Insistiu.