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Facebook: Um ambiente careta

  • Foto do escritor: Saulo Marzochi
    Saulo Marzochi
  • 28 de jul. de 2016
  • 3 min de leitura

A partir de agora não escrevo mais nada de cunho político no facebook, que no fundo é um ambiente super-careta, e basta discordar com certa agressividade de alguém, que todos se sentem ofendidos. Mas agora, faminta e congelada, não dá mais tempo da cigarra aderir a moral da formiga. Melhor postar fotos de cachorros fofos, bebês engraçadinhos, ou o resultado de meus esforços culinários para quem ainda não me conhece.

De fato, é preciso assumir nossos preconceitos e lidar com eles, pois que o risco é o sintoma da ascensão de uma extrema direita, a saída da Inglaterra da União Europeia com o discurso da xenofobia, e a provável eleição de Donald Trump, que poderá acarretar no possível fim dos tempos.

Finalmente ofendi a todos os meus grupos de amigos. Ofendi meus colegas, artistas, funcionários públicos, críticos, empresários, curadores, autônomos, autômatos, terceirizados, petistas e tucanos. Não sou culpado pela discussão infundada entre a esquerda ingênua e a direita ignorante. Não suporto a esquerda populista e clientelista que compra votos com programas sociais, nem a direita fascista que não reconhece a necessidade destes mesmos programas e direitos. Ofendi gays e lésbicas, machões e travestis. Destratei negros, pobres e socialites. Não há classe que não tenha um pouquinho de preconceito. Já ofendi até o macaco Tião, que me respondeu com uma bola de estrume acertada em meu olho. Não confio em ninguém com 32 dentes.

Sou contra os ciganos que roubam criancinhas, contra os judeus pão-duros, contra os árabes bastardos. Contra católicos tapados , contra evangélicos falso-moralistas e desvairados, contra os espíritas que postergam o que deveriam fazer aqui, em outro lugar.Tenho medo dos chineses e das broncas que dão, em mandarim, em seus filhos, escondidos atrás de máquina de laranjada. Medo das mães que beijam seus filhos bebês na boca, numa espécie de ode ao herpes.

Também não gosto dos parisienses que se acham civilizados, numa cidade que mescla os odores de chulé e vômito. Detesto também os noruegueses beberrões, e os haitianos, pelo simples fato de serem honestos, falarem um bom francês, e não conseguir detectá-los no escuro. Evito por segurança, pessoas altas e gordas, as que andam sem freio, rebocando os que se encontram no meio do caminho. Estas criaturas deveriam trabalhar apenas no campo, atrelados a arados, como fazem os cavalos de tração. Tenho também receio dos baixinhos, por serem mais eloquentes e donos da razão, e tenho um respeito incondicional aos anões, por causa da história da Branca de Neve. Desconfio, é claro, de mulheres estonteantemente bonitas.

Acho ridículos os modismos, principalmente de pessoas saudáveis, como yoga, crossfit, kitesurf, ou standup. Se a pessoa conseguir fazer yoga sobre um prancha de standup, daí sou capaz de desmerece-la por toda eternidade, como também aqueles que postam fotos de suas bicicletas elétricas, como se fossem salvar a humanidade. Sou contra sambinha na Lapa, canjas, e restaurantes com música ao vivo. Sou contra, sou contra, sou contra! Detesto a animosidade alheia, principalmente a gerada pela imitação, e não pelas virtudes. Só não tenho preconceito contra a meditação, mas um ódio mortal de quem finge meditar ou diz por aí que medita.

Tenho, sobretudo, raiva de gente que diz que gosta de gente, pois normalmente é mentira. Tenho medo dos frustrados, pois qualquer um que fique por perto vira alvo, e medo dos assertivos, pois são estes que acertam o alvo. Evito os pobres que tenderão a invejar-me e os ricos que se acham mais cultos, mais viajados, e mais generosos. Tenho raiva dos politicamente abstêmios, e total desconfiança daqueles que almejam um cargo político. Desconfio de brindes, de presentes, de flores e datas festivas, de relacionamentos e pessoas “bem resolvidas”, de felicitações de aniversário de desconhecidos. Abomino os muçulmanos terroristas, que armados por americanos ou russos, deturparam todos os sentidos da religião e da vida, além dos israelenses opressores, ganhadores de prêmios Nobel.

Se nenhum destes grupos me agrada, o que poderia dizer dos políticos, dos guias turísticos, dos síndicos, dos garçons e taxistas cariocas, dos flanelinhas, dos atravessadores, dos atendentes da Receita Federal e do Detran, dos funcionários de telemarketing, dos professores tarados de autoescolas, dos ortopedistas metidos a besta? Não haveria adjetivos para compor tal desabafo, restando acreditar apenas, no amor e no respeito que o Leão obeso devota ao seu domador.

Ilustração: [CAMERON COTTRILL | Tampa Bay Times]


 
 
 

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