Todos mortos
- Saulo Marzochi
- 25 de nov. de 2018
- 2 min de leitura
Estava subindo a rua de mochila, voltando do estágio, no centro da cidade e tinha acabado de sacar dinheiro no caixa mais próximo. Do nada, apareceu uma galera bem barra pesada, e tive a sensação de que estava na eminência de ser assaltado. Como já havia passado por isso outras vezes na vida, dei meia volta e eles caíram na gargalhada. Tentei correr, mas meu corpo não saía do lugar. Tentei gritar, mas minha voz não conseguia se projetar. Olhei para trás e o grupo vinha em minha direção. Então me concentrei, dando um salto para cima, de mais ou menos seis metros, e abrindo os braços, planei como uma asa delta, sobrevoando a ladeira, como se estivesse nadando no ar. O medo de ser assaltado me fez descobrir uma habilidade latente e adormecida, a capacidade de voar. Então dei meia volta, contornando os postes elétricos, e pousei na frente do grupo, exibindo meus super-poderes. – Vocês iam me assaltar? Perguntei. E um deles me respondeu: - Claro que não! Estamos só vendendo bagulho. Você quer maconha? – Pode ser. Respondi. Na verdade gostaria que um de vocês tirasse uma foto minha flutuando para eu postar no facebook. Dei meu celular na função da câmera, e alcei voou para a foto. Ao pousar, fomos até o apartamento em que os traficantes estavam instalados, num cabeção de porco, perto do Morro da Conceição. Um deles alertou: - Não repare na bagunça e cuidado com os cacos de vidro. É que fizeram uma chacina aqui hoje de manha. Abri minha mochila para guardar o celular e por um momento todos se desesperaram, achando que eu sacaria uma arma. – Você não é policial, né? Perguntaram desconfiados. Dei uma gargalhada, e todos se tranquilizaram. Para se certificarem de que não era PM, fui convidado a fumar um baseado com eles. O mais novo do grupo começou a apertar o cigarro, com cuidado para que os cacos de vidro espalhados pela mesa não se misturassem ao conteúdo. Começamos a fumar. Notei uma diferença nos olhos de alguns. Olhos amarelos, fundos, tristes, olhos de criminoso traumatizado, de gente sem alento. Um deles, com um buraco de bala no meio da cara, mas sem sangue. Como poderia ter sobrevivido a um tiro desses sem sequelas? Que milagre! Comentei. – Te furaram a cara e a bala entrou de um lado e saiu pelo outro. Reparei também na moça que pertencia ao grupo, e que me ofereceu um copo d`água. Ela também, com um ferimento impossível. Um buraco de bala na testa. Olhei para o menino que apertava o baseado, e em suas costas, algumas costelas à mostra. Estavam todos mortos!
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