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Escravos! O Brasil não pode parar!

  • Foto do escritor: Saulo Marzochi
    Saulo Marzochi
  • 11 de abr. de 2020
  • 6 min de leitura

Às vezes me pego destilando mentiras. Eu, que tive acesso à cultura, à educação, à leitura, me vejo completamente cego frente à realidade do mundo. Isto, porque não basta estudar ou ter acesso, e achar pretensiosamente que entenderei a realidade do mundo absorvendo-a na teoria. É preciso viver para criar empatia com os outros, com aquilo que me proponho a entender.

Todos os livros do mundo são incapazes de mostrar-me a realidade como ela é. E parece que quanto mais abastados nós somos, menos empatia somos capazes de ter com o mais fraco, com o mais humilde, com o desfavorecido. Nasci rodeado de empregados e brinquedos de ultima geração. Tinha carrinho de controle remoto, robô de controle remoto, bicicleta, pense-bem, bonecos dos mais diversos, e cujo valor não tinha dimensão. No início da vida adulta comecei a repetir frases tacanhas como: “os empresários carregam este país nas costas”, sem nunca me perguntar se eles não seriam também carregados. “Os trabalhadores precisam dos empregadores para sobreviver”, sem também me perguntar se não seriam os empresários que precisam dos trabalhadores para produzir. E até parece que quanto mais abastados, menor o grau de empatia com os mais pobres, mesmo que rodeado por literatura pretensamente humanista. Como se fosse muito fácil ser pobre.

Para quem é rico, pobre não precisa de psicanálise, só de cachaça. Pobre não precisa viajar, basta ver televisão. Pobre não precisa de cultura, basta jogar futebol. Pobre não precisa comer bem de vez em quando, basta chupar uma bala de tamarindo. E quantos pobres e pretos estão amontoados em cadeias por fumar e vender uns baseadinhos, coisa que quase todo mundo já fez. Pobre não pode ser esquizofrênico que toma logo uma gravata do segurança do supermercado e morre, até na frente da mãe. Pobre não pode surtar que é abatido como um animal que foge do zoológico. Rico, quando surta, todo mundo fica com pena e leva para uma clínica-SPA. Pobre quando fica viciado em droga vira traficante. E até pichador, quando é rico, ganha dos pais um ateliê de pintura, enquanto o pobre vai em cana. Não me venha também dizer que você burguês é de esquerda, e por isso está preocupado com os outros. Abastados são incapazes de se colocar na condição de vulnerabilidade. Quando eu era adolescente me considerava de esquerda. Tive educação prafrentex, em escola de rico, com professorzinho comunista. Esse papinho era só pra impressionar as menininhas, e ter um monte de respostinha pra tudo. Queria mudar o mundo, mas não conseguia arrumar meu próprio quarto. Não arrumava a cama, nem lavava um copo d´água, deixando tudo na mão da empregada. Também jogava lixo no chão, achando que assim dariam emprego para mais garis. Achava-me tão bacana... Não pelo modo como agia, mas pelas coisas que eu acreditava e falava, sem perceber meu cinismo e minha hipocrisia.

Nessa pandemia, aparecem políticos populistas que se dizem preocupados com os trabalhadores mais pobres, que não terão o que comer caso permaneçam ou continuem isolados, quando na verdade estão mesmo é preocupados com a condição dos empresários. Utilizam do senso comum para se autopromoverem em meio à pandemia, se alimentando do caos, tanto os de esquerda, quanto os de direita. E parece que quanto mais rico o empresário, mais pervertido e mais dependente da mão de obra alheia. Alguns se perguntam como eu me perguntava na adolescência: Mas como sou opressor, se me considero tão humanista? Se ganho likes quando posto fotografias do Sebastião Salgado nas redes sociais? A esquerda caviar deseja justiça social para os outros, mas na economia doméstica manda a empregada vir trabalhar quando todos deveriam estar de quarentena. É a favor de leis trabalhistas, mas incapaz de implementar estas mesmas leis dentro de casa. Não há como ser humanista apenas a partir de uma formação teórica, é preciso vivenciar na pele.

Quando entrei para o mercado de trabalho, a economia estava em frangalhos, no contexto da crise da bolha imobiliária de 2008. Uma onda recessiva atingiu o Brasil. Os bancos americanos deram crédito para quem não podia quitar as dívidas, na esperança que o governo cobrisse o rombo, e para variar, é o mundo que acaba arcando com o risco dos grandes aventureiros do mercado financeiro. Mesmo formado numa boa faculdade, não conseguia estágio, nem para trabalhar de graça, e quiçá emprego. Para piorar, inda queria ser artista plástico, pois tinha certeza que minha subjetividade era muito mais interessante que a dos outros, condição cinequanon para ser artista no Brasil, e possuía muita arrogância como combustível, que fazia com que só gostasse dos meus próprios trabalhos. Depois de anos sem conseguir absolutamente nada, e por motivo de subsistência, me mudei para uma cidade menor, com custo de vida muito mais baixo para me tornar trabalhador doméstico e rural, achando que estava me reinventando, depois de ter vivido uma vida de luxo, até a juventude, e ter sacaneado tanto as empregadas. Passei a cuidar do jardim, fazer faxina da braba, cuidar de bicho, e até domar cavalos.

Com o excesso de produção, ano passado tentei vender limão no mercado. O dono do hortifruti não quis ver meus limões, e me expulsou da loja com um pedaço de pau, certamente achando que eu era um mendigo. Sentei na calçada e refleti: Mas que diabos estou fazendo com a formação que recebi? Eu, que passei a infância fazendo viagens com meus pais, indo até pra Fernando de Noronha. Que tive a oportunidade de viajar pela Europa, pela Patagônia chilena e argentina varias vezes. Eu, que cheguei a ter até cavalos árabes de pedigree, agora vendendo limão. E daí comecei a agradecer cada experiência que tive na vida, como essa oportunidade de descer do pedestal e calçar as sandálias da humildade, em vez de perder-me na arrogância, na onipotência de passar por cima das pessoas como trator, como fazem aqueles que nunca perderam na vida.

Essa foi uma experiência enriquecedora e sidartaniana, de ser rico e pobre, compreendendo o real valor das pessoas, em vez de ficar cagando regra por aí, dizendo como o mundo deveria ser porque li no livro. É muito fácil para quem é privilegiado dar opinião. Parece fácil para o João Amoedo do partido Novo, por exemplo, se achar culto só porque tem dinheiro, defendendo essa história de Estado Mínimo. E pra quem mora no Vale do Jequitinhonha? É o Livre Mercado que irá até lá atender essas pessoas? Ou vamos esperar que retirantes maltrapilhos e nanicos de desnutrição enriqueçam abrindo startups?

Perece fácil dizer que os empresários carregam esse país nas costas, quando não enxergamos de fato aqueles de quem tanto dependem. Não são os empregados que dependem do patrão, e sim os patrões que dependem dos empregados. Até porque, o empregado, que vive da mão para a boca, se não conseguir aqui, terá de conseguir ali, o seu sustento, de um jeito ou de outro, para sobreviver. E o empregado, quando ganha o dinheiro, reinjeta na economia imediatamente, movendo o moinho, enquanto o rico, quando recebe recursos, aplica logo em ações, em CDB, em LCI, em LCA, ou injeta fora do país. Sem os empregados, os empregadores não conseguem desentupir a privada, nem limpar o próprio bumbum.

Desconfie sempre quando o político ou o patrão diz que está pensando no ganha-pão do empregado e que para isso, deve se arriscar em meio à pandemia. Não existe nada mais abjeto, pois é óbvio que está pensando em si próprio, porque se o empregado fosse seu filho, mandá-lo-ia para casa, sem perder o salário. Desconfie daqueles que defendem o isolamento vertical, pois isso contraria o que dizem os infectologistas de todo o mundo, embora isso seja defendido por um ou outro médico picareta que nem é infectologista. Desconfie, pois se fosse verdade o político também trabalharia pela causa pública, em vez de tentar se promover em meio ao caos, tentando criar empatia com a superficialidade do senso comum. E o povo ingênuo, está alimentando a máquina de propaganda mentirosa que quer usá-los e destruí-los.

O Brasil tem trilhões em reservas, justamente para contornar, com boa margem de segurança, crises como esta, dinheiro que é seu e meu. Morrerá de fome se preferirem aqueles que foram eleitos para nos administrar na paz e na guerra. Já o socorro bilionário aos banqueiros já chegou há muito tempo, enquanto estes mesmos já aumentaram os juros para lucrar ainda mais com a crise. Quem não se lembra do crescimento extraordinário dos bancos nas crises de 2008 e 2016?

Está na hora de parar de olhar para esquerda e para a direita, e olharmos para frente, pois não estamos em ano eleitoral, e sim em meio a uma pandemia sem precedentes na história contemporânea. Para piorar, estamos numa era em que gente totalmente desgabaritada acha que tem direito de falar qualquer coisa ao público, sem medir consequências ou responsabilizar-se criminalmente pelo conteúdo de seus discursos, como fazem os youtubers, que se pretendem ensinar o que não sabem. Gente que se informa através do facebook e governa pelo twiter. O que diria Rui Barbosa se visse gente tão despreparada compondo a presidência da república e o quadro de ministérios? Lula, que também é corrupto, também não é nenhum posso de cultura, mas tinha uma capacidade de conciliação que Bolsonaro jamais terá.

Para terminar, todos desejam o caos, tanto a esquerda quanto a direita. A grande diferença é que a esquerda deseja o caos para virar o jogo e tomar novamente o poder, e a direita deseja o caos para ampliar os seus poderes, enquanto o centrão dança conforme a música, como quem canta na chuva.


 
 
 

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